Para começar é preciso terminar


Por que o fim não pode ser tão encantador como o início? Por que tantas lágrimas na hora da separação?

A taça que estava naquela mão não resistiu e foi ao chão. O toque do telefone causou um engasgo, mas nada comparado com o que aquela voz viria dizer. O fim. Sem reação a mão se abriu e suavemente a taça foi caindo até encontrar o chão. A queda teria durado uma eternidade. Ao tocar o piso não resistiu e se despedaçou. Acabou. Não tinha nada que pudesse ser feito. Seria necessário mais do que pá e vassoura para restaurar a normalidade daquele coração.

Em outro canto da cidade, uma discussão. Foram ditas palavras com um peso que ninguém suportaria e nenhum ouvido escutaria. Os rastro daquela briga estavam no chão. Cacos tão pequenos que era impossível colar o que fora quebrado naquela noite. Mais uma despedida. Mais um adeus. Era o fim.

Tantos sorrisos foram apagados com lágrimas naquele dia. Quem partiu, chorou. Quem ficou, não entendeu.

Naquele instante, após a porta bater todas as perguntas apareceram. O silêncio após a ligação calou todas as respostas. O que, como, por que, será…? O interrogatório começava e duraria por toda a madrugada. Nem os primeiros raios de sol foram capazes de trazer a luz para as mentes confusas.

Ele perdeu e ela estava perdida. Os dois com a mesma ferida e separados por alguns quarteirões. Eles apenas olhavam fixamente para o relógio na parede. A cada giro dos ponteiros a dor parecida se dissolver, a cicatriz só apareceria depois.

Três dias depois da ligação, ele precisava limpar a casa, precisava tirar o cimento dos sapatos, e jogar fora todas as flores recebidas. Pediu para ficar só, não queria ver ninguém, não queria acreditar que era o fim. Sentou no sofá, do mesmo lado de sempre, fechou os olhos e foi como tudo estivesse sido restaurado.

– Meu amor, que filme temos hoje? Estou exausta, sabe aquela secretária? Pois é, foi demitida, eu te disse que tinha algo errado com ela! Tenho fome, você quer algo?

Ela falava muito, ele pouco. A partir de agora, ele precisaria falar mais. Não queria. Ainda de olhos fechados era possível sentir o aroma da macarronada. Ela só sabia preparar molhos e colocar o macarrão para cozinhar. Era o suficiente.

Abriu os olhos e viu que ela não iria mais retornar. Não por uma escolha dela, mas por algo maior, algo que não é possível explicar. A garrafa de vinho ainda estava na mesa de centro. A taça dela estava intacta, ainda a aguardava. A dele estava por todos os lados no chão da sala.

As coisas dele já não estavam mais no apartamento, apenas ela. O chão do apartamento estava limpo, os sinais da discussão não existiam mais, foram apagados como todo aquele sentimento que os juntou. Apenas uma marca restava e estava no rosto dela. As lágrimas paravam no colo da prima, elas não pareciam suficientes para apagar a dor.

– Ele não te amava! Aquele traidor! Ahh… Vamos, vai, para com isso! Você não pode ficar chorando por aquele cachorro, você merece e vai encontrar algo melhor!

A prima falava, falava…. Ela apenas tentava preencher com palavras o vazio deixado. Ela pouco ajudava, pois achava que o amor era uma mercadoria, fácil de achar em qualquer prateleira e quando dá defeito ou  procura assistência ou compra outro.

Vassoura e pá na mão, ele resolveu juntar os cacos. Ela pediu para a prima ir embora. Silêncio. Vazio. Cada um olhava para a ferida, como fechar? Como cicatrizar? Era preciso muitas voltas no relógio e agir enquanto os ponteiros giram.

– Você vai reaprender a amar, a sorrir!! Ora, você não se pode prender ao passado!

Eles diziam aos dois. Eles ouviam. Não pensavam em nada. Tudo tinha virado silêncio. Como uma imagem refletida em um lago, a realidade era torta e sedutora. O futuro parecia incerto, pois eles não conseguiam olhar para a frente.

Os dois olhavam apenas para as luzes distorcidas na água, estavam lado a lado. Depois de tantos giros nos relógios, depois de limpar a casa, depois de organizar o coração, estavam ali, dividindo o mesmo banco e a mesma vista. Não importa a influencia dos amigos, dos parentes, o destino trabalhou sozinho.

Ela olhou para o lado e sorriu, ele entendeu.

E os dois conseguiram juntos enxergar as luzes na outra margem.

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