O fantasma do fim

Pensou que poderia evitar o fim, mas ele se aproximava mais uma vez

Julgou que poderia ser feliz. Enganou-se como de costume. Junto com a manhã chuvosa veio o receio e a certeza de que o fim estaria muito próximo. Tentou evitar aquele momento como pode, mas era inevitável. E como um padrão de comportamento, como um nascer do sol, como a mudança das estações, ele soube que estaria cara a cara com o pior medo, com um velho inimigo, mas depois tantas idas e vindas, esse já tinha se tornado o melhor amigo.

Não esperou o telefone tocar, não esperou a porta abrir, simplesmente, saudou o velho companheiro. Convidou-o para sentar. O convidado entrou, olhou para a decoração, apontou para o quadro.

– Sim, é novo, gostou? Balançou a cabeça com a indiferença de sempre.

– Bebe alguma coisa?

Queria brindar com o velho conhecido, mas ele nem deu a mínima. O outro estava com o coração em uma das mãos e uma taça na outra. Tentava fingir que já estava acostumado com aquela presença e aprendera como agir. Mentira.

O telefone tocou, um barulho seco que quebrou toda a harmonia daquele ambiente, o som o atravessou, o visitante o fitou e apontou para o aparelho.

– Não vais atender?
– Tenho escolha?
– Tem. Mas só irá prorrogar a minha presença aqui.

Assim não restava opção menos dolorida. O que ele poderia ter feito para evitar aquele dia? Era essa pergunta que o rondava e ela estava ao lado dele e cutucava-o, perturbava-o. A resposta? Essa deve ter tirado férias em algum resort bem longe dali.

Paralisado no sofá, não teve a capacidade de levantar e atender o telefone. O silêncio se fez na sala. Pensou que poderia evitar o fim, mas ele se aproximava mais uma vez. O grande relógio na parede ditava o ritmo e o visitante tinha dois poderes, congelar os ponteiros e os acelerar com mesma força. Olhava fixamente para o relógio, mas não se concentrava na hora, no minuto e nem no segundo, apenas queria ver onde estava o erro. Pensou tanto que ganhou uma dor de cabeça e longe de entender o que estava diante dos olhos.

O velho companheiro começou a ficar impaciente com a não resolução do problema, encarava, gesticulava,

– Vamos agir?
– O que devo fazer?
– O que deve ser feito.
– O que deve ser feito?
– O de sempre?
– Não tem como fugir?
– Tem, mas irás arrumar outro problema.
– Qual?
– A resposta você sabe.

O companheiro subestimou o dono do sofã e não previu a falta de clareza dentro daquela mente.

– Quais tipos de fim você acompanha?
– Mmmm, quase todos.
– Quando o dia acaba você está lá?
– Sim, preciso guardar o Sol. Ele sabe que vai voltar, mas precisa de companhia até o dia seguinte.

Até o Sol sabia lidar com o fim. Até a luz sabia que era preciso a escuridão. Mas o dono do quadro exuberante não conseguia perceber isso, ele acreditava em uma felicidade eterna vendida nas revistas da banca perto de apartamento dele. E por acreditar que era para sempre cometia o mesmo erro, ou era apenas a falta de sorte.

Fora trocado, fora humilhado, fora desacreditado, fora esquecido, fora desmerecido. Mas também fora feliz ou teria sido ilusão?

O ‘ou’ o tortura mais do que a visita, mais do que o telefone não atendido, mais do que qualquer coisa. A dúvida o matava, mas ela era muito melhor do que a certeza, pois no universo do ‘se’ a felicidade existia, no universo da certeza, a felicidade poderia ser apenas fumaça. Lá estava ele e andava de um lado para outro na sala, tentava digerir o fato de não ter tido, não ter sido e não ter deixado nenhuma marca na vida daquela que outrora jurou amor eterno. Essa era a dor que mais doía.

Ela tentou esquecer um velho amor com ele, uma fórmula que não funcionou, ninguém pode ser assim tão facilmente substituído. Ele acreditou que poderia ser o escolhido, errou. Sempre soube de todas as condições e mesmo assim quis arriscar, agora sofre e o morador do andar de baixo reclama com todos aqueles passos martelando.

– Como seria possível?
– Aceite o fato.
– Aceitar o fato?
– Essa conversa está ficando entediante.
– Tédio? Logo você?
– Sim, entendo o fato de você não queira aceitar o seu destino. Amigo, até o sol reconhece que precisa da escuridão.
– Não quero ir para as trevas de novo. Se eu não achar o caminho de volta? Você não irá me ajudar?
– Não, não poderia. Sabes bem quem eu sou. Não posso quebrar a ordem das coisas.
– Sei. Por mais que eu saiba.. Olha eu ainda peço ajuda a você. Confio em você.
– Anos de convivência, meu amigo. E você pouco aprendeu.
– Aprendi sim.
– Por exemplo?
– É… Você sabe.
– Não tenho a menor ideia.

O tempo que parecia congelado deu um salto e o dia virou noite, o sol se recolheu para brilhar no dia seguinte. O visitante tinha o deixado por instantes, mas eis que bateram à porta. Era ela. Não ela. Era outra. Ela que sempre aparecia naqueles momentos, mas ela nunca trouxe nenhuma resposta, ela aproveitava o tempo parado para maltratar o coração ferido.

– Você? Mesmo que eu tente, você vai entrar, certo?
– Sou inevitável.

Ele abaixou a cabeça, deixou a porta aberta e voltou para o sofá. Ela esperou, entrou desconfiada, não fechou a porta e olhou para ele. O dono da casa estava sentado no sofá com as mãos na cabeça e continuava sem entender onde tinha guardado o erro.

– Então, velho amigo…
– Como me livro de você?
– Não esperava uma recepção tão calorosa.
– Você sabe que não é bem-vinda.
– Se estou aqui, a culpa é sua.

O primeiro visitante voltou ao apartamento, sem dizer, sem pesar. Os ponteiros estavam imóveis. Os três permaneciam em silêncio e não se olhavam. O telefone não se manifestou. O morador do andar de baixo sem um pio. De repente, ele olhou e viu o fantasma do fim e a frustração lado a lado sentados no mesmo sofá. O que ele poderia fazer? Aquele encontro já havia se dado outras vezes, muitas vezes e mesmo assim ele insistiu em algumas escolhas, ele tentou mudar, tentou outros caminhos, mas o resultado não se alterou.

Foi ali que ele olhou para o relógio e uma imagem refletida o respondeu. O erro estava dentro dele. Então, aceitou mais uma vez o destino e segurou na mão da frustração e do amigo fantasma. E eles embarcaram em uma viagem no tempo paralelo para um lugar desconhecido para aquela do amor prometido, ela estava em outra dimensão, o fim nunca a assustou.

Destino conhecido, ele precisou tirar férias do trabalho, de um roupão furado, de uma barba a fazer e de trinta dias. Melancolia, solidão, depressão, essas eram as visitas constantes naquele apartamento. E cansado de todas as derrotas no jogo da vida, ele fez a última escolha.

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